A escalada da violência

Textos e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá

Sem as esperadas manifestações de massa contra “a impunidade e a corrupção”, a repressão policial está livre para voltar aos alvos de sempre: população periférica, estudantes e jornalistas.

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 O dia 13 de junho de 2013 ficará marcado para sempre nas lembranças e na carne de muitas pessoas. Depois de três passeatas duramente reprimidas pela polícia e que cresciam conforme se intensificavam os ataques do Estado e da imprensa, as Forças da Ordem decidem atacar indistintamente manifestantes, transeuntes e jornalistas no Centro da cidade de São Paulo e na região da Avenida Paulista. O saldo trágico contabiliza, segundo a ONG de direitos humanos Conectas, 230 detenções arbitrárias e 100 feridos, incluindo 10 repórteres e cinco fotojornalistas. O caso mais grave foi o de Sérgio Silva, fotógrafo da Futura Press, que perdeu o olho esquerdo atingido por uma bala de borracha.

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A violenta repressão, reservada desde sempre principalmente aos pobres, levou a uma inflexão dos meios de comunicação hegemônicos que passaram a clamar pelo direito de manifestação e pelo respeito ao cidadão. Ato contínuo, uma série de reivindicações oportunistas, diferentes das pautas restritas ao preço das tarifas de transporte, passaram a surgir no noticiário. Na voz de Arnaldo Jabor e assemelhados, que na véspera berravam contra os vândalos e exigiam seu direito ao tráfego tranquilo nas avenidas, aparecem gritos contra a corrupção do PT, a “PEC da impunidade” (PEC37) e pela prisão imediata dos “mensaleiros”. No dia 17 de junho, milhões de pessoas se manifestam pacificamente, sem um único incidente com a polícia, com uma pauta que ia de “hospitais padrão Fifa” à “volta dos militares ao poder.

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Pressionado pela “voz das ruas” e da mídia, o Congresso se mobiliza para derrubar a PEC37, mesmo que 99% da população não entendesse do que se tratava. O Governo Federal, por sua vez, percebeu a oportunidade de passar projetos importantes emperrados no Legislativo como o repasse dos royalties do Pré-Sal para a Educação e tenta até mesmo aprovar um plebiscito sobre a reforma política que poderia tratar da principal fonte de corrupção em qualquer governo desde a redemocratização: o modelo atual de financiamento de campanhas. Mas aí já era demais para uma classe política que sempre se serviu, desde a ditadura, das doações, legais e pelo “caixa dois”, das grandes empresas, construtoras e bancos. Para eles, o ideal seria seguir manipulando a população para uma luta moralista e inconsequente. Com o calendário do julgamento da Ação Penal 470 (o chamado “mensalão”) meticulosamente ajustado, o 7 de Setembro parecia a data perfeita para a volta das multidões às ruas contra o governo Dilma. Mas a dinâmica dos eventos já havia mudado.

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Ao longo de julho e agosto as manifestações lentamente se afastaram das pautas muito amplas e passaram a focar em reinvindicações específicas de cada localidade e grupo social, mas sem a mesma participação massiva. Toda semana diversas pequenas passeatas contra “os médicos cubanos”, “a cura gay” e os gastos com a Copa travam estradas e centros urbanos. Já os movimentos organizados como sindicatos e grupos por moradia popular, também seguem se manifestando. Talvez a única diferença mais importante seja uma participação maior dos ativistas chamados Black Blocs, cuja estratégia inicial era a proteção de outros manifestantes e a destruição de símbolos capitalistas como agências bancárias e lojas de grandes redes internacionais. Sem lideranças claramente identificadas e nem um programa político definido, não é difícil acontecerem provocações a policiais e quebra-quebras. Como as polícias militares são historicamente preparadas para o combate ao inimigo, também é fácil as forças oficiais iniciarem as hostilidades e os confrontos desiguais são inevitáveis.

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Se por um lado os confrontos chamam a atenção para as manifestações, como aconteceu no início de junho, também desqualificam as propostas e dificultam a visibilidade das reivindicações reais. Tudo é colocado num “mesmo saco” de baderneiros, vândalos, etc. Em São Paulo, por exemplo, entre julho e agosto, houve cinco grandes manifestações contra o Governo do Estado, com milhares de jovens nas ruas, convocados pelo mesmo Movimento Passe Livre que iniciou as jornadas de junho, tentando alertar a população sobre o escândalo de corrupção nos contratos com multinacionais construtoras e fornecedoras de equipamentos e serviços de trem e Metrô nos últimos 20 anos! Foram montados até mesmo dois pequenos acampamentos em frente ao Palácio dos Bandeirantes e à Assembleia Legislativa do Estado que seguem ativos. Mas as manchetes trouxeram apenas os eventuais danos ao patrimônio e os confrontos com a polícia, que lentamente têm se acirrado. Onde não havia Black Blocs, como na derrubada do muro de contenção da Favela do Moinho, no centro da cidade, nem uma nota curta no jornal. O mesmo nas violentas reintegrações de posse que voltaram a acontecer nas ocupações populares nas periferias, como no Grajaú, Zona Sul da cidade.

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O Sete de Setembro foi emblemático nesse sentido. O tradicional Grito dos Excluídos, que reúne há 19 anos dezenas de movimentos populares e juntou cerca de oito mil pessoas na manhã daquele sábado, recebeu destaque mínimo no noticiário, que classificou o evento como “petista”. A expectativa da Grande Mídia era a imensa manifestação de direita esperada para as 15:00 no vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Afinal, durante semanas houve chamadas nas redes sociais, com milhares de confirmações virtuais, e até uma imensa e bem impressa faixa, com a máscara do Anonymous, chamando para o ato “contra a corrupção e a impunidade” estrategicamente colocada numa passarela em frente ao Aeroporto de Congonhas, no Corredor Norte-Sul. A participação real, no entanto, foi ínfima, frustrando as rádios, TVs e jornais.

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Duas outras manifestações partiram da Paulista um pouco antes. Uma, contra o governo estadual mas que juntou alguns “coxinhas” desavisados, promovida pela Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre, desceu a Avenida Brigadeiro Luís Antônio até o acampamento em frente à Alesp, no Parque do Ibirapuera, onde se dispersou após manifestantes escalarem o Movimento às Bandeiras aos gritos de “sem vandalismo”. Novamente não houve qualquer repercussão midiática. A outra, tendo à frente os Black Blocs, seguiu para a Câmera dos Vereadores, onde foi recebida pela Tropa de Choque com grande violência, rendendo, consequentemente, notas breves nos jornais sobre os confrontos.

O que não foi dito é que a história parece ter retornado a 13 de junho, com a polícia aparentemente liberada para atacar indistintamente manifestantes e jornalistas, mesmo que claramente identificados. Logo numa das primeiras saraivadas de bombas, o estudante Vitor Araújo, que transmitia o protesto com um celular para o seu BastaTV foi atingido no olho por um estilhaço e ficou cego (na semana seguinte, outra manifestação na Paulista, também sem repercussão na imprensa, lembrou esse caso, o de Sérgio Silva e outros feridos pela polícia em diversos protestos). Depois de dispersados, os manifestantes foram perseguidos até as imediações da Praça da Sé, onde um agente da ROCAM efetuou diversos disparos com arma de fogo, ferindo um fotógrafo de raspão no queixo. Pelo menos três outras pessoas foram atropeladas, sendo uma por uma viatura que se recusou a parar para socorrer o outro ferido. Essa reportagem flagrou, ainda, o momento em que o fotógrafo da Mídia NINJA, Paulo Ishizuka, é espancado no chão por um grupo de policiais. Quando percebe o fotógrafo independente Rodrigo Zaim, do RUA Foto Coletivo, registrando o espancamento, um dos policiais parte pra cima dele atingindo-o várias vezes com o cassetete.

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 Ainda não está claro a quê as manifestações iniciadas em junho vão levar. Até aqui parece estar demonstrada a capacidade de articulação nas ruas da população e seus diversos grupos para pressionar o poder público com objetivos específicos. E também que nem sempre essas manifestações conseguem ser manipuladas tão facilmente pelos meios de comunicação em massa como acontecia no passado. Infelizmente, de certo temos apenas que há uma escalada da violência por parte de jovens ativistas e muito maior por parte das polícias, como pode ser verificado em todo o país, como em Brasília onde até cães foram atiçados sobre os repórteres e fotógrafos no Sete de Setembro. Ao que tudo indica, 2014, com eleições e Copa do Mundo, o clima vai ficar quente não somente nas redes, como aconteceu em 2010, mas também nas ruas.

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